27/01/2009

Amor novo amor

Sei não estar na hora
contudo parece não dar para viver
sem um novo amor
um corpo com calor
se o que restou foi o frio, a dor.
Quero um amor novo ao meu lado
distante do enfado
de viver a dois.

Versos não bastam
não calam a saudade
do amor que foi e não voltou.

Amor novo
não demore
venha e encha minha casa com alegria
e as velhas lembranças
que fiquem para depois
distante do enfado
de viver a dois.

07/01/2009

No interior

Longe vi a menina só correndo.

O vento leva e traz seu olor inocente,

na verdade sinto seu cheiro em tudo que me rodeia ou faço.

Vê-la não melhora minha dor.

Dor é quando penso nela.

Gosto amargo

Palavras são escravas
da lavra do lavrador
e encravam
em quem não disfarça a dor.

13/12/2008

Um poeminha triste

Sei que estás triste
Também sei da minha tristeza
Somos dois
Numa só tristonha vida.

02/12/2008

Notícias de um bar V

Na viela a primeira casa é uma bar, fato comum nos subúrbios fortalezenses, e a última também. O correr dos meninos me dá forças para discorrer sobre qualquer coisa que seja alegre, mas neste instante um banzo solapa meu escrever. Da mesma forma que os negros sentiam uma saudade depressiva da África quando nos porões das caravelas apodreciam, abate-se sobre mim uma "sodade" doida da terra onde brotei: Limoeiro do Norte. Sentado neste bar me reflui a lembrança da tenra infância e como estes meninos correm, eu corria também pelos calçamentos do meu Limoeiro. Bila, manja, emenda-emenda etc, etc etc... tudo eu brincava, eu corria, eu descobria.Vários passarinhos acertei com minha baladeira ardilosa, até gatos safados afugentei do quintal da minha avó quando um carneiro era estendido para quarar e ser assado depois por meu avô João - o velho me acordava às 4:00 da matina para ver o ritual que ia desde a machadada no cabilôro do carneiro até a retirada do couro, isso já apontava no relógio umas 7:00 e eu adorava, porém as mulheres da casa não gostavam que este espetáculo extravagante fosse assistido por um garoto de cinco anos, mal sabiam elas que eu já conhecia quase todas as coisas do mundo - em tempos de festa ou quando depois de dias sem aparecer em casa chegava cansado e puxando uma criação geralmente ganha em mesa de baralho, pois a agricultura nunca fora suficiente para estes tipos de regalia naquela época e vovô além de vigoroso trabalhador era afeito a bebida e as mulheres. A bola que os meninos chutam pára exatamente debaixo da minha mesa e um deles rouco de tanto gritar galhofa pedindo a bola:
- Ei "cachacinha" joga a bola se tu conseguir.
Aquilo me doeu e me irritou um pouco, mas eu já fui e ainda sou um pouco menino... o mesmo que corria pelas ruas do meu Limoeiro.

26/11/2008

Paragem

Rapidamente o bando se acoitou. Liderando os cabras estava Niceto. No canto da paisagem e por detrás do velamal, sem respirações ou engatilhos, se encontravam. Moita. Butuca. Tocaia. Pela testa de Niceto escorria lama: barro e o suor na barroca dos olhos se juntando. Parece faltar pouco tempo para o barulho espantar os passarinhos d’uns esgalhados cinzas e das coroas de frade. Canção das paragens sertanejas. Vê-se o ar subindo do chão. O queixo esquentado no cabo da papo amarelo e a vida rodando feito rodamoinho na cabeça dos cabras. Niceto se prepara e mira seus revólveres. Aquela brincadeira... manja! O nome da meninice lhe reflui quando percebe os homens na iminência de correrem um ao encontro do outro como n’um baile louco da morte. Ah! Niceto te cuida, pois sua mãezinha cose algodão para tua próxima camisa branca, debulhando o terço e olhando o seu retrato como doutor do ABC. Niceto foi estudar e não demorou a cair no mundo, na carraspana. O restante era aquela fotografia velha. E a passarada revoou. Sangue fervendo numa pedra. Reflexos coruscantes nas fitas e medalhas do Niceto. Um perfume de pólvora perfuma o descampado, a poeirama se mistura ao sangue, ao sol, a toda paisagem confusa. Niceto longe de si só vê o fundo azul que parece cada vez mais perto, perto, perto...

18/11/2008

Poesia concreta de Augusto Pontes*

tempo
tem
po
o
po
tem
tempo
*Mesa de bar cheia, a cultura escasseia. Quando diminui, ela flui. Na boêmia há fatores culturais e, claro, muita bebida! Foi numa segunda-feira devassa que recolhi este poema, estava riscado no canto d'um jornal e lançou-me absorto em sua contemplação... minutos após perguntei ao satírico Sr. Augusto P. se poderia "publicá-la" em meu blog, aí está!

12/11/2008

Verve

Meu último escrito carregado de esquizofrenia literária é demasiado vulgar, dá-me ânsias ao vê-lo escrito... eis uma passagem d'uma crônica do Airton Monte:

"Fortaleza fica tão mais bonita de madrugada e mais perigosa e me transforma em um menino, de olhos abertos e arregalados procurando tudo e descobrindo nada, pois nada mais há para descobrir, eu bem sei.

De madrugada, a cidade como que desvela a sua verdadeira alma despudoradamente e eu também. Que belo e quão terrível. Assim me vou pelas minhas madrugadas, revendo os velhos companheiros de jornada. Garçons, donos de bares, vendedoras de flores enfeitando a noite de perfumada delicadeza, Jornaleiros, malandros, biriteiros habituais, a moça tão linda que me olha e me sorri como se me reconhecesse de algum lugar que não me lembro e a alegria solta pelos bares e a densa solidão das pessoas escorrendo, espessa, de seus olhos famintos.

E sempre encontro meus parceiros noturnos de sempre. Não raro, entre umas e outras, nasce mais uma canção despretensiosa feita somente para nos dar prazer. Ah, uma canção a menos, uma canção a mais, que diferença faz. Quanto mais escrever um poema súbito num guardanapo sobre uma mesa modesta de botequim. De madrugada sinto-me ridiculamente romântico, é quando me percebo mais pleno de humanidade. Esse aglomerado de emoções, prazeres, sustos, medos me provoca deslumbramento quando volto pra casa de manhã. Hoje, por exemplo, juro que vi um arco-íris."

Por quê não querer escrever tão belo assim? Lamento ainda ser vítima da minha pobreza de espírito e inteligência, mas pelo menos tenho este divã chamado "Massagada".

10/11/2008

Gostaria de ter a verve de um escritor. Lembro-me das primeiras leituras e como pensava naquelas letras todas, porém os livros tinham de ser ilustrados. Passei um longo tempo sem ler coisa alguma, quando gastava minhas horas na mais pura porralouquice adolescente, e depois me vi quase homem mergulhando num bocado de autores. Zé Lins do Rêgo, Ernest Hemingway, Gorki, Zé Alcides... Gostaria de ter a verve de um escritor.

Um amigo meu poeta disse: “ler demais mexe com o escrever”. Um dos maiores sábios que conheci, seu Aparício Lima de Petrolina, confessou-me n’um curto convívio que nunca leu quase nada, nem jornal, mas conversava muito e ouvia. Mesmo caso de meu avô João de Deus, agricultor e praticamente semi-analfabeto (detesto essa expressão), é filósofo vivo sempre doutrinando com humor e sapiência as coisas da vida. Não sou sábio, poeta...quiçá... filósofo.

Achei graça quando uma garota me reconheceu como escritor, disse não ser um escritor e que só padecia da necessidade de escrever moldando textos. Pensei em ler menos, seguir o exemplo dos acima lembrados, preferi continuar lendo e tenho neste dias no colo o romance “Naná” de Zola. Quando li Manuel Bandeira acreditei que fazer poesia era simples. E é. Difícil mesmo é ser poeta.

Engana-se quem imagina não estar doente ou pelo menos triste. No meu quarto vive um ser estranho, coberto de penas e com cauda de víbora... criatura auspiciosa de poderes mágicos. Taquicardia ataca sempre. Zé Lins do Rêgo era hipocondríaco e nem por isso todos que possuem tal distúrbio escrevem acuradamente como o inaudito paraibano. Zé Alcides era maldito ungido na poesia de Baudelaire, Borges lia Plínio. Preciso de um benzodiazepínico. O tal ser regurgita uma pastosa massa branca e dela surge um sonho desconexo: “O escuro chega rápido. Há pouca luz, apenas uns bicos toscos de iluminação. Quando o mato rasteiro começa a cheirar e não muito longe sua vista alcança, deita-te no chão e ponha-se à divagar no ritmo pungente do grito das almas agonizantes. Atravessado no meio da madrugada um chocalho alerta... acorda...acorda..acorda.”

Venho com constância a este espaço cibernético esputar as produções mais idiossincráticas possíveis. Toda noite antes de dormir imagino se pelo menos uma pessoa leu os meus escritos... minto... escrevo por puro egotismo. A vontade de ter a verve de um escritor é maior que minha vergonha. Sou despudorado, sou uma farsa, sou ator de um filme sem roteiro, apenas com o fim inevitável da mediocridade.

Um diálogo perturbador irrompe na noite já quase manhã:
-Porra, caralho são quatro da madruga e tu num matou esse filho da puta?
-Não tenho coragem...
-É só puxar o dedo e vê se mata logo!
-Já disse, não tenho coragem...
-Ah! Mata logo!
-Jesus...
-Não é ele que vai matar não, você é o enviado... estás apenas fazendo a vontade dele.
-Nunca é esta a vontade de Cristo!
-Vai tomar no cu, enfia a porra do dedo na pistola e mata logo!
-Mata você...
-Mata logo!
-(...) hummmm
-Se tu num vai matar esse filho da puta, eu mato!

Gostaria de ter a verve de um escritor. A necessidade não é verve, é, acima de tudo, um fardo.

05/11/2008

Poemeto para meu avô João


Vovô?

Vovô?!

É a vez do senhor jogar a carta...

28/10/2008

Notícias de um bar IV

No bar de seu Léleo não toca música, bebe-se cachaça. Toda manhã o recinto é aberto para os fiéis clientes se achegarem, seu Léleo quando levantava o portão tinha sempre o papacum, criatura tísica de beber e quase morador do bar, e o Coronel Veiga que sempre falava muito, sentava-se e numa disciplina militar ia-se antes do almoço. Noutro dia comum, daqueles comuns mesmo, papacum discutiu com o Coronel e uns solavancos deixou seu rosto um pouco mais inchado. Seu Léleo fez o que devia fazer: enxotou os dois e desceu as portas. Uma batida repetidas vezes o fez reabrir o bar com cara de desgosto... era o Anésio – homem quieto, muito alto e sem gestos – adentrou pedindo um copo cheio de cachaça. Seu Léleo disse em tom sombrio como quem não quer falar:
- Nezinho você não vai tomar esse ror de aguardente, não precisa homem.
Não houve saída, a cachaça foi servida. O Anésio não reclamou de nada e tirou um cédula de mil cruzeiros para pagar pelo bebido. Seu Léleo não tinha troco e insistiu que ele pagasse no outro dia, mas a resposta o deixou entalado com o punhado de farinha que levava à boca e disse:
- Que estória é esta? Negócio de morrer hoje e não poder pagar amanhã... deixe disso.
As costas de Anésio já iam longe quando ocorreu a seu Léleo que era iminente o suicídio daquele pobre diabo. Matou-se utilizando os punhos da rede. Os joelhos dobrados confirmavam a vontade de morrer. Não deixou bilhete. Dono de bar sabe das coisas antes de Deus.

24/10/2008

Chamado

Te espero e não vens. N'um comprometimento juramentado dias atras havia dito que a bebida não seria mais empecilho para nossa relação e eu acreditei. Sei que estás no bar contando lorota para patota alegremente, como numa música antiga conhecida, enquanto a maldita sopa de jerimum que preparei com os melhores tempeirinhos adormece talhada sobre a mesa. Já fiz café, as unhas e fofoca, o tempo não passa... a novela já esta em sua última parte... o que farei sem você meu amor? Vem logo, mesmo com cheiro de cachaça e cigarro, vem! Não agüento mais esta casa, este meu nariz, minha barriga, a Dona Lorêda (vizinha desagradável) e minhas partes que se intumescem na sua falta... vem, por favor!

18/10/2008

Notícias de um bar III

A porta rangendo e o ferrolho batendo. Acabou-se o bar por hoje. Depois da cena do rato todos não conseguiram mais entornar cachaça. Gregório era louco mesmo. Bebia e enlouquecia. Bebia e enlouquecia. Sempre. Nos carnavais passados pelo menos um mês depois ainda estava embriagado nas calçadas alheias. Sem a cachaça Gregório trabalhava e tinha um trato digno com os seus compadres. O rato capturado no canto do bar foi à boca como petisco. Aposta que só louco topa. Fecharam o bar.

28/09/2008

Rua

Madrugada gélida
um homem morto:
joão
francisco
foi qualquer um...

[O chuviscar cortante embaciava o cenário
dando ares lúgubres à rua]

Não vinha
nada
ninguém.
Ali só o frio era presente
provocando ânsia e frêmitos na carne.

24/09/2008

Notícias de um bar - II

Sempre era com descaso e ironia que recebiam o “Graças a Deus”. Joaquim Nazareno seu nome verdadeiro, “Graças a Deus” o apelido depois que endoidara e foi assim esquecido seu nome constante da certidão de batistério. As versões para sua loucura repentina são incontáveis e impossíveis de se afirmar a veracidade contidas nelas, certo é que ficou louco com idade adulta depois de ter voltado do sul... suas sandices, inofensivas e absurdas, não passavam de lorotas mais ou menos bem concatenadas com a realidade. Tomando por exemplo quem não fosse acostumado com suas palestras falaciosas era bem capaz de acreditar no que dizia o “Graças a Deus”, pois sua loquacidade, inicialmente, não acusava traços de loucura. No bar os freqüentadores mais assíduos não suportavam as mesmas babugens de sempre:

- Olha... o mercado imobiliário no litoral de Caucaia está em crescente desenvolvimento, não longe de receber incentivos estatais para que novos investidores pousem por lá e é neste anseio que estou injetando uns fundos monetários para construir no ramo da hotelaria.

Um interlocutor mais desavisado e sem conhecê-lo, pergunta quebrando o clima descontraído típico dos bares fortalezenses com o cenho um tanto carregado de seriedade:

- O senhor realmente acredita no potencial lucrativo daquela região?

- Graças a Deus!

- Engraçado me responderes assim, mas o senhor sempre arrisca em mercados já explorados exaustivamente?

- Graças a Deus!

- Espera um pouco, o senhor é louco em acreditar nos poderes divinos em meio a transações financeiras e de investimentos?

- Graças a Deus!

Não demorava e logo aparecia algum para “desmascarar” em tom de humilhação o desajustado Joaquim Nazareno, urrando em meio a neblina de fumaça tabagística palavras longe de uma amabilidade aceitável para com um pobre doudo:

- Joaquim vai pra puta que o pariu com estes graças a deus, porra! Este cabra andou queimando a rosca lá por São Paulo e voltou falando asneiras, inclusive blasfemando o nome do Todo Poderoso em vão... E você aí garoto vê se para de escrever sobre este doido que tu acaba ficando doido também.

São nestes momentos que o pobre "Graças a Deus" vai embora e apenas retorna alguns dias depois, como se com raiva estivesse e debaixo d'outro pileque fenomenal...

09/09/2008

Escritores

Antes de derramar minhas palavras mal desenhadas ou meus gatafunhos no vernáculo português, gostaria de ressaltar a importância do tal blog... onde este meio agora apresenta-se como a janela para novos escritores ainda não abarcados por um laço editorial. Falarei sutilmente sobre três blogs e seus respectivos "postadores":
O primeiro têm-se a poesia hai kai de Raphael Barros, eminente e promissor poeta fortalezense que já passeia agora no seu segundo blog de endereço comoumestalo.blogspot.com... não é só paulista que faz hai kai não!
O segundo trata-se do blog d'um primo meu chamado Dehon Charles, neste ogonbatto.blogspot.com acharás críticas com vigor intelectual invejável, poesias de Baudelaire, Fernando Pessoa etc, etc e contos excelentes, em especial "Seu Cardeal", vale a pena conferir!
O terceiro não posso dar muitas referencias, pois não conheço pessoalmente a postadora e só tenho a dizer é que a garota escreve muito bem e não obstante alcança uma semelhança proposital com Clarice Lispector... eis o endereço debailarina.blogspot.com
Espero ter dado o recado e que meus quase inexistentes leitores reparem nestes novos e inteligentíssimos escritores....

08/09/2008

Notícias de um bar - I

Lágrimas sobre o balcão sebento. Seu Calixto cheio de lamúrias chora o silencio proposital do filho desde que deixou a mãe dele, confessa a dor sentida nestes dias... seu rebento não lhe dá satisfações e nem sequer liga para saber de sua frágil saúde. Mais uma cachaça, mais um punhado de lágrimas. Disse em tom de desafogo:

- Desgraça. Nada mais. O meu Juca sumiu desde que dei as contas a Maria Elvira. Dava mais não aguentar aquela mulher! A desgraça caiu sobre minha pessoa, meu filho não entende o mundo, a vida e ainda acha razoável magoar este coração safenado. Seu Aquilino põe mais uma dose, por gentileza.

O líquido com gosto de podre espalhou-se na boca de seu Calixto e só o Juca lhe refluía nos pensamentos. Injustiça da mais crua esta. Graças a um ato tardio, mas de coragem, deixou o lar, ganhou a liberdade e perdeu um párea. Arranca impulsivamente o maço de cigarros junto com o telefone móvel da calça e disca o número do filho desgarrado e este prontamente desliga seu aparelho para não ser importunado pelo “flagelador” de sua família. Espicha o pescoço e grunhe para seu Aquilino:

- Mais outra. Ele não entende, nem atende...

No recinto do bar adentra um amigo dos tempos de criança e acode o pobre diabo, proferindo palavras de alento, entre elas:

- Calma e tempo é o que o garoto precisa, deixa-o ter a primeira mulher e saberá o que chamam de vida à dois, saberá que nem sempre existe uma harmonia entre as pessoas e que o mundo não é só a casa em que vive... dá tempo Calixtinho.

Em cima do que disse seu amigo, retrucou Calixto com uma voz amarfanhada:

- Mas Elias o Juca diz que me odeia e a Maria Elvira não está nem um pouco comovida com esta situação dramática que vivencio. Como sempre defendi, ela é uma sonsa da mais fina categoria, não acha pouco eu estar vivendo no balcão do seu Aquilino e sem o meu menino, meu rapazote.

Elias consternado e sabedor das coisas da vida, aconselha:

- Bebamos Calixto. Bebamos. No momento a melhor solução tópica é embriagar-se. Seu Aquilino me traz duas doses duplas de uísque que hoje vamos falar mal de tudo e de todos, precisamos de uma boa quantidade de álcool para não agirmos com precauções ou medos... não te preocupas ele há de compreender e voltar.
A partir daí ouviu-se apenas o tilintar dos copos e o riscar dos milhares de fósforos...

01/09/2008

Iracema

Tuas barcarolas miúdas ainda dormitam
quando coruscam os primeiros raios do sol,
as putas se vão e os moleques despertam:
Eles cheiram cola e elas voltam para o farol.

19/08/2008

Eis Mefistófeles!

Eu que sempre fui um covarde
e detentor de um mau caratismo,
venho hoje
através destes versos pobres
pedir perdão por ser um mefistófeles.

Longe na madrugada sombria
escondo meus pensamentos
para que não revelem sua face demoníaca.
Escorro nos becos das favelas
e bebo do líquido sifilítico da puta velha.

Sou um endemoniado,
diria alguém com uma moral decente,
mas não valho-me de conceitos alheios...
visto a roupa de um criminoso sem escrúpulos
e varo a cidade procurando vítimas para meu querer sanguinolento.

Não lembro dos rostos
- ficam somente vultos céleres e gritos roufenhos-
dos que prejudiquei com minha vocação maligna.
Sou aquele que mente, que abusa, mata.
Sou mefistófeles, o grão mestre do que há de podre.

Sinto remorso
mas peco.
Quero meu perdão!
Perdoa-me Satã, juro que não lerei mais o Evangelho
e não terei mais aquela galinha preta no quintal.

Vá tomar no cu, diria-me Zé Alcides Pinto,
com razão admito- Ele era enviado, abençoado-
possuia a marca sagrada
o signo maligno
daqueles que sabem o que escrever.

Oh! Versos imbecis,
porque mostram-se assim tão inválidos e confusos?
Meu Deus dai-me motivos para viver!
A todos que existem:
Perdão por ser um mefistófeles...

12/08/2008

Afogamento

Chaz. Chaz. Chaz. São as ondas derramando-se a beira da praia, parece o ritmo do tango de Piazzolla, nada muito rápido... tudo intencional, cadenciado. Espumas brancas carregadas de sargaço são absorvidas pela areia fininha. Um tanrantantan começa a atrapalhar esta minha contemplação marítma, um rapazote debatendo loucamente seus braços tenta gritar por socorro em meio à golfos d'água. Não me movi. Fiquei espantado num instante primeiro, segundos após tomei gosto em observar a agonia daquele jovem de corpo mirrado, via seu balé defeituoso em meio ao balançar tranquilo do mar verde de Iracema. Prontamente apareceu o primeiro herói, começou também a afogar-se e foi então que o espetáculo mórbido ganhou traços de uma tragédia citadina anunciada: "Dois rapazes morrem tentando se salvarem. Escritor que presenciou tudo diz que foi o afogamento muito rápido e não pode interceder. Um luto abate-se sobre a cidade." Jornais e revistas não captaram a beleza do afogamento, claro! Foi soberbo os rostos curiosos observando os dois corpos esticados no espraido amarelo, porém senti um pouco de remorso por não ter-me atirado contra as ondas e tentado salvar pelo menos o primeiro afogado que idade ainda tinha pouca. Não fossem meus papéis, não fosse minha covardia desmedida salvava-o. Admirei o mar engolindo vivos e regurgitando mortos, ele é grande e só propiciou este espetáculo para ver-se escrito no papel...

08/08/2008

Agosto

É um mês quente. Chega após o longo repouso de julho. Não adianta debruçar palavras sobre a negatividade de Agosto, não posso inclusive afirmar se existe esta tal "negatividade" ou ser este mês o do desgosto, conforme o dito popular. Acabam-se as últimas chuvas e desemboca o calor ardido, a época não mais é propicia ao plantio ou engorda de rebanhos... tampouco para a sesta após a refeição, nada muito animador este tal de Agosto. Contabilizo também o fim de dois amores, a perda de uma grande amizade e mormente bebo mais que o necessário neste mês. Estive longamente conversando com um poeta próximo sobre Agosto e este com o cenho enigmático ficava questionando-me sobre o porquê de escrever este mote, estranhando meu espírito macambúzio e terminando por puxar de suas memórias mais remotas um verso que fiz sobre o dito mês, infantil por sinal, vaticinou que padeço de depressão agostiniana. Neste poemeto à qual me referi falo pesarosamente sobre o ataque das bombas atômicas ao Japão, não sei se resquício do que "aprendi" no estudos colegiais ou simplesmente o sentimento que faz-me ser parte da humanidade. Pode ser também esta dor filha da partícula de segundo que dizimou o cotidiano de duas cidades inteiras e seus amores, esquinas, lembranças e vidas... foram centenas de milhares de pessoas mortas e isto ressoa em minh'alma. Não tento deter o sentimento do mundo inteiro, mas longe de ficar em paz quando revolve em meus pensamentos nagasaki e hiroshima e a destruição delas. Houveram catástrofes, morticínios, guerras que contaram com números maiores do que o acontecido no Japão, mas nenhuma foi tão ágil e covarde, nenhuma deixou uma herança macabra como a radiação... Agosto é sem gosto, só amarga um pouco perto do fim.

14/07/2008

(sem título)

Minha poesia é rala
bem pouca, como a salmoura que escorre do queijo.
Imbecil. Tola até.

O azedume, pretume, o estrume
nada foge ao meu versejar,
escapa-me apenas a poética.

Ah! Poesia, não vá!
Não deixa-me aqui a encanecer.
Mesmo indo... esconde de todos que já tentei escrevê-la.

05/07/2008

Espelho d’água

Foi fina a chuva. Breve.
Aqui em pé no fio de pedra
contemplo as ondulações.
Espelho mágico que me traz a infância.

Dormitei e a água sumiu da pequena poça...
novamente perdi meu reflexo,
não vi esvaírem-se os anos
que não vivi.

10/06/2008

Oração

"Quando procurarmos os amigos, já estarão todos mortos. Sentiremos uma necessidade vital do convívio de alguém cujo já não nos ocorrerá à memória. E só nós mesmos seremos o que os outros já não são, por que somos tão somente eles próprios e nada mais."
José Alcides Pinto
Continuo a revolver uma memória: a de não ter conhecido o Zé Alcides. Um poeta baiano, radicado em Mauá, mandou-me pouco antes desta fatídica e repentina morte do nosso Escritor-mor uma missiva contendo seu endereço e palavras de incentivo para conhecê-lo. Num curto momento encontrava-me já a falar com um colega médico sobre o acontecimento mórbido e este já com a naturalidade hipocrática disse-me que estava no plantão em que fora atendido o Poeta. O Maldito morreu. O Pornográfico também. Remoendo umas lembranças mais primitivas... vi o Velho uma única vez, era um lançamento de livro e ele veio, furou a fila e não "pagou" pelo exemplar, mas deixara o seu Relicário Pornô. Tenho neste Concretista fé. Absorvo da sua Ficção o sabor travoso de algumas figuras literárias. O Louco de Santana do Acaraú é nosso, daqui mesmo do Ceará. Este Satã é e sempre foi o meu Deus. Ave Zé. Amém.

22/05/2008

Devaneio

Pensar num amor!
num sabor.
nalguma mentira.

Soluçar o amor, salivar o sabor.
Mentir-se para melhor dormir.

Vai lógica, vai pr'o inferno. É melhor assim.

13/05/2008

O Tísico

Rua acima morava um tísico. Nunca aparecia para os passeantes, na verdade só sua tosse gutural e incansável se mostrava, a janela do catre que habitava nunca fora aberta e isto é um fato. Um cheiro forte de cânfora era exalado todo final de tarde, não sei se por causa do sereno da boca da noite ou pelo doído fardo de ter tossido muito. Dias abafados estes em que o tísico sofria. Seu Dimas, dono da quitanda das contravenções divertidas, sabia a vida de todos, contava já perto de seus oitenta anos, e disse-me certa vez que o tal tísico fora o melhor jogador das redondezas e dono de uma canhota magistral como nunca se vira, chegou-se a cogitar que jogaria em grandes clubes e que sua habilidade canhoteira era de fazer qualquer um ficar embevecido, inclusive os jogadores adversários driblados por ele... mas nos dizeres de Seu Dimas um amor mal curado levou o infeliz diabo a contrair uma espécie de “tuberculose de amor”, segredara sussurrando que já se passavam mais de trinta anos sem sair de casa. Havia se enclausurado por uma tal de Marieta. Sempre quando vinha da boêmia me compungia com aqueles urros medonhos emitidos pelo tísico, dormia mal por causa da dor alheia e passei a evitar a passagem na frente de sua casa, mas mesmo assim, devido aos porres homéricos, esquecia-me às vezes e lá se ia mais uma noite agitada com as tossidas a reverberarem no meu íntimo. O pior do convívio com esse barulho dolorido... era saber que um homem quase morto é quem o fazia... Certa tarde de abril, quando arriscava um futebol com os molecotes da rua, avistei longe uma ambulância vindo lenta, sem pressa e até com uma certa morosidade proposital para que os espectadores juntassem-se à frente de onde ela estacionaria. Foi na casa do tísico. Levei um drible por baixo das pernas e automaticamente uma vaia da pivetada. Parei, estagnei e vi o socorrista negro descer pesadamente do carro nosocomial. Cheguei-me para perto e tratei de expulsar a meninada dali, gritando e mandando-os para suas casas. Menino atrapalha tudo. Vi o cadáver vindo em cima duma maca desgastada. Esquálido e amarelo o corpo do tísico. Seu cabelo escorria pregado pelo pescoço por seu suor. O estado consumptivo da doença rendera-lhe uma aparência esquelética, desnutrida e lembrou-me o Cristo pintado por Rafael de Sanzio. A boca entreaberta não acusava nenhum resto de dente sequer. Sofria vendo-o. Parei o negrão que o levava e indaguei quem havia ligado para avisar do seu falecimento e de prontidão dissera-me disfarçando o riso por entre seu enormes dentes brancos:

- O vizinho telefonou dizendo que depois de muitos anos não ouvira o Sr. Jorge tossindo.

Jorge era seu nome. Perecera por um amor. Agora mais que nunca queria ter visto sua habilidade de canhoteiro num campo de futebol, mesmo sendo eu a vítima de seu drible desconcertante. Tarde para esse tipo de sentimento.

09/05/2008

Sexta

O dia despontou ensolarado e sem um fiapo de nuvem sequer. Cediço fora o grito do vendedor de cuscuz, mais tarde complementado pelo "carro da fruta", que serve como despertador para esta sexta-feira... coisa boa esta tal de sexta. Mesmo o sábado sendo laboral não tira o charme festeiro deste afortunado dia, dia de Seu Chaguinha no Benfica, dia de sorrir sem motivos justificáveis e amar sem cuidados e beber como se fosse a última garrafa da nossa efêmera passagem por este planeta. Matutando sobre o domingo pego-me avesso ao dito recolhimento dominical, fruto indigno do cristianismo e talvez por este fato todas as sextas recaio no pecado da boêmia extrema e da felicidade desmedida para vingar todos os chatos domingos que estraguei descansando ou a orar(a parte do orar é a mais pura mentira, não passando de um elemento de estética para minha produção literária)... o bom mesmo é pecar, pois a lógica mais vulgar leva-me a indagar se o pecado fosse tão "condenável" como apregoam os mais pudicos, porque tantos pecam, principalmente às sextas, e não se arrependem? Estou generalizando? Desculpem os mais iludidos ou cegos, mas caminhas nos becos, travessas e esquinas desta cidade que verás o pecado da alegria sendo consumado a cada metro. Vai e confere no Bar do Seu Chaguinha o panegírico canto dos que embriagam-se, comem e amam as noites de sexta...viva a pândega, viva ao pecado! Coisa boa esta tal de sexta!

06/05/2008

Poema d'um instante

O copo cheio,
o corpo vazio.
Seca-o e enche-te de solidão.

29/04/2008

Densa noite

Um sorriso ingênuo
escapado do canto de tua boca
faz-me rir e debruçar sobre este papel
como o fiz numa densa noite:

seus leves e finos lábios
crepitam com o tocar de nossas bocas
- famintas e salivantes-
que ao fim do inevitável encontro calam adormecidas.

a madrugada promete
os tecidos comprometem
assim
dois corpos cingidos na singeleza da paixão.

um conjunto de músculos lassos
um feixe de respirações exasperadas
tornam-se unos com o vibrar dos roucos gemidos.

devorar é o verbo
-a língua a sintaxe-
desta oração profana.

os deuses a muito esquecidos
assistem incrédulos o desfecho desta densa noite:
gozo...

22/04/2008

Rua

Minha morte aprochega-se do sentido vital. Frases curtas são pura inveja de Graciliano Ramos. Vejo longe o sentido da vida. No passear tranquilo é que tento achar entretenimento para continuar -vivendo- escrevendo. Passo por ruas e vielas despercebidas... vejo loucos, putas, velhos e moradores ainda fortalezenses... vejo a angústia sólida da atualidade violenta. Penso nas crias vindouras e suas complicações, penso em como repassar uma cidade na qual não vivi, penso nos filhotes que não terão areia para se sujar, penso nas crianças de plástico com seus passatempos eletrônicos. Não penso mais. Pensava... agora é passado. Minha esquizofrenia literária é fruto de noites insones e coisas ainda não vividas, infelizmente esperadas. Tinha em mente que a idade traria uma escrita minimamente melhor frente as "coisas" joviais já transpostas no papel... ledo engano. Brevemente rasgarei tudo que escrevi e não terei o incomodo de lê-los, quem sabe aparecerá algo bom em minhas letras e paro de vomitar pôr sobre o papel... agora vou para a rua, pois só ela faz-me bem.

15/04/2008

Aleatória

Tempos que não escrevo. Sinto no punho o peso d'uma vida sem muita graça. Hiato de palavras. Sento nesta cadeira, fico agastado, preciso sorrir e motivos não me chegam.
Não escrevo, o jazz triste soando no fundo da xícara de café, o final do cigarro, não são, nem de longe, um escape para esta fonte estanque de letras.
Perder um amor, um amigo ou livro querido traz "inspiração" para algo a ser transposto no papel, mas a contumácia destes acidentes trazem a raridade de boas coisas na vida de um ser vivo, até parece que morro um pouco a cada dia.
Dia desses um grande amigo disse-me que os benzoapenídicos tornaram-no feliz novamente - isto foi dito enquanto ele tomava uns dois comprimidinhos acompanhados de cigarros - e não sei se devo comparar isto com o santo álcool, sei que o furor da bebida, pelo menos durante algumas horas, é magnífico para disfarçar a alma latejante de quem é triste.
Confissões para um papel é vergonha de ir num psicanalista, diria um poeta e pintor que conheci.
Hoje abuso das vírgulas, hoje abuso da paciência dos poucos que me lêem... acredito que muitos já escreveram, filosofaram sobre este "branco" literário... sendo esta tentativa mais uma entre muitas, vã na realidade.

10/03/2008

Estória de pescador

Uma jangada está lá no final do mar. Longe, quase invisível aos olhos comuns. Chico, Seu Luiz e Branquinho tripulam a embarcação e buscam o peixe para encher a boca de suas famílias. Branquinho fala muito, Chico é quase mudo, Seu Luiz dá ordens e vão mar adentro com suas linhas e redes. Covarde e mulher não pescam de jangada, criança só quando tem sangue grosso e de pescador, neste meio a cachaça é a diversão e ao mesmo tempo anestesia para o tempo, não há espaço para muitas brincadeiras... o caixote cheio de peixes traz o homem, o pai e a comida de volta à terra. Vazio, apenas desolação sem solução. Os três recolhem as redes e as linhas, Seu Luiz reclama:

- Arre. Peixe num tem mais. Vamo branquim infia isca nessas linha que há de fisgá algum.

- Eita agora vai – Branquinho quase rindo – se Seu Luiz quer, fisga!

Já estavam três noites na lida e naquele balançar incessante, os peixes vagarosamente enchiam a jangadinha, quase manhã ouviram um grito de Chico. Uma barracuda de dentes afiadíssimos desgraçara sua mão. Num pulo de agilidade Seu Luiz encharcou a mão de Chico com cachaça e a embrulhou com uma estopa bem seca e limpa e ordenou:

- Nóis pesca até mei dia e desaba pra casa e trate de se aquietá, assim a febre demora mais a te pegá. Chegá lá procura o dotô e pronto.

Nesta agonia Branquinho chamou Seu Luiz:

- Seu Luiz, duas linha tão batendo forte...

- É mais barracuda, vamo lascá essas maldita.

Quando chegaram na areia da vila, Joana de Abel já esperava Seu Luiz, pois sempre ficava observando quando a vela alaranjada despontava no canto das falésias... viu o coitado do Chico sendo carregado e queimando em febre, mas logo Seu Luiz atalhou:

- Joana vê se num chora. Esse aí é forte e num morre por causa de mordida não.

Branquinho nem dividiu a carga e agarrou-se com o violão e uma preta bem gorda que não gostava muito dele, mas que precisava comer e como! Chico perdeu um dedo e meio e não dava indicações que aquilo iria lhe limitar a habilidade de pescar. Seu Luiz vendeu uma parte dos peixes e outra mandou salgar, agora estava numa rede bem fria a olhar seu cachorro magro que se desesperava com os siris na beirinha da praia.

* Este escrito é dedicado à G. Diógenes, que ama pescar e contar estória de pescador.

05/03/2008

Absorto

Estou catando o que sobrou pelo chão empoeirado. Peças soltas, quebra-cabeça de ilusões espúrias. Desfigurado pelo reflexo irresponsável do espelho oxidado, decaio e morro aos poucos. Um gole travado num café é suficiente para uma análise sem um especialista na psique humana, estou morrendo aos poucos. Consumindo-se. Vou a rua e tento não retornar ao lar, tento acreditar que lá, na rua não no lar, sou menos infeliz... atitude reles e ingrata. Tudo é pensar. Uma voz irrompe no meu lampejo de loucura e retorno a realidade:

- Tudo bem?

- Sim.

- Tenha uma boa noite e vê se lê menos... faz mal, viu!

- Claro, claro. Até mais ver.

Chego a me assustar, mas logo volto a minha divagação insana e constato que estou morrendo realmente.

26/02/2008

O magarefe

Em suas mãos todo animal desmancha-se em pedaços de nomes estranhos: Acém, patinho, lombo etc, etc. Na tarde recebia boi, carneiro, suíno e vísceras, quando caía a noite já começava a cortar os bichos e parava quando os primeiros clientes chegavam com o sol. Tinha dois filhos e sua mulher já havia morrido na última cria que pariu, Estevão, e nos dias que se seguiram a morte da Mariinha o magarefe não conversava muito e não dava lugares as emoções, não por estar apenas abalado com a morte de sua companheira e sim por respeito as tradições que aprendera nos sobrados da casa do seu pai, também viúvo. Viera para a cidade trabalhar, pois foi expurgado por um vizinho que tomara as terras de seu pai, na época já inválido, sem filhos e parentes suficientes para rechaçar a invasão covarde e o magarefe era apenas um menino sem forças de homem. Não rezava. Nunca beijou os filhos e passou a responder qualquer pergunta com gestos ou, simplesmente, calar-se. Rotina e nada mais. Ruína. Deu a beber e nem o pastor que opera milagres o salvou da cachaça. Sua banca no mercado não preocupava, Estevão já assumira o lugar do pai e ajudava no sustento da casa e da bebida. O magarefe agora era o próprio bicho a ser abatido e destrinchado, consumia-se no alcoolismo e não via forma mais eficaz de aliviar sua vida estúpida e encurtá-la. Numa madrugada foi visto saindo do bar e nunca mais apareceu, o magarefe.

22/02/2008

O velho, pombos e a Rua

Título óbvio e um tanto lírico... nada além duma cena que comove, levando este incauto pedestre a escrever sobre a mesma. Todos os dias quando me dirijo à forca, noutras palavras para minha burocracia diária, apenas com o fim de garantir alguns trocados no fim do mês, deparo-me com um carrancudo velhinho que alimenta uma porção de pombos com restos de comida. Padre Luís Figueira é a rua do prestativo e “humano” senhor, preferiria chamar a veia citadina por outro nome, nunca me veio a mente quem seria o referido clérigo, mas as ruas de Fortaleza são assim cheias de nomes e nomes e nomes de pessoas, instituições e tantas coisas idiotas, não seria até melhor chamar Rua da desilusão à Conde D’eu? Feito um hindu de memória prodigiosa tento decorar esses milhões de logradouros institucionalizados pelo Estado e de certa forma consigo, somente por andar muito a pé. Já morei na Barão de Studart e na Carlos Vasconcelos, no Crato na Monsenhor Esmeraldo e em Limoeiro do Norte na João Maria. Chatos esses endereços. E o velho não muito gentil, um dia indagado por mim se gostava dos animais, me respondeu na bucha que preferia todos os dias alimentá-los ali no outro lado da calçada a ter que agüentar o seu insuportável arrulhar nas calhas de sua casa amarela, me confessou ainda que tratava-se de um acordo...

O poeta do cão

Nos beiços das calçadas
E no seio duma rapariga nova
O poeta maldito descansa a bebedeira desmedida.

Marginalidade vestida num terno espalhafatoso.

Transcorridas as vielas fedorentas do centro
E acabado seu charuto barato
O Mário Gomes volta ao leito de sua casa.

15/02/2008

Rei negro

Não credito esta vontade de escrever sobre a minha Fortaleza e seus habitantes a um momento ou maturidade como escritor... isso não existe para mim. Escrevo porque quase todos que aqui moram não amam esta cidade, sequer percebem que ela existe.
Os súditos passavam e admiravam sua calma eterna. Seus domínios iam da Duque de Caxias à praia de Iracema. Ficava esperando eternamente algo ou alguém, sabe lá se era Deus ou a Morte, sempre estava sentado sob silêncio sepulcral e o mesmo traje monárquico puído era o que tinha por cima do corpo. O vi e imediatamente já me possuíra como ser supremo, uma espécie de mentor que não precisava falar e no fundo dos seus olhos febris toda uma história condoída resvalava para minha alma. A rua barulhenta não atrapalhava seus gestos lentos. A rua barulhenta lhe conferia a áurea de um Buda marginal. Já lhe ofereci cigarros, nada. Soube que perdera o irmão para a correria da cidade de São Paulo, pois fora atropelado na sua frente e tal fato, talvez, transformou-o num Rei. Um Rei sem luxo, um Rei cuja coroa era um enorme amarfanhado de cabelos. A angústia tomou-me de chofre quando deixei de vê-lo pelas ruas de Fortaleza, mas assim como sobre mim ele exerceu um poder de sedução, exercera também sobre muitos outros e por isso é sabido que voltara ao seu leito familiar e está sendo bem tratado... lamentar de forma nenhuma a sua partida e sim festejar que outras pessoas perceberam este Rei negro. Sandro é o seu nome.

25/01/2008

Quase poesia

Neste dia não há razão para felicidade
Preto, cinza escuro é o tom do cenário
Onde sou ator e espectador. Verdade.

Dia frio em Fortaleza

Manhã já se faz no relógio, mas o céu não aponta nenhum raio solar sequer... estranho por essas bandas de cá. O vento está frio e as ruas parecem desertas. Cronicar o viço que esta cidade tem nos dias de sol é muito difícil e muitos já se ocuparam de tão árduo ofício, então resta transbordar no papel o banzo em que emerge Fortaleza em dias de chuva. É notória a lassidão do povo, das avenidas e do movimento citadino em geral nos dias frios, dias frios, pois só a chuva em si não acalma a celeuma de uma capital. Pipoqueiros, baleiros e pedintes, que não folgam aos domingos, resolvem ficar no aconchego de suas dormidas em dias que as lufadas de vento sopram no rosto logo no começo da manhã e é melhor o fundo duma rede quente à trabalhar no dia santo, convenhamos. Desço para praia no começo da manhã e tenho comigo a impressão dos passeantes quietos, não querendo se refrescar no mar, pois este está trombudo e cinzento... uma bela estrangeira atravessa meu caminho e ela não importa-se com a beleza deste mar revolto e das pedras negras que agüentam este temperamento irascível. Tudo lento e apenas um cão a revirar lixo dinamiza a paisagem estática da enseada de Iracema, os molecotes em bando cheiram a cola santa de cada dia e os boêmios mais descuidados dormem profundamente em alguma marquise, tudo dentro da normalidade praieira desta cité. Faz frio. Subo a rua Arariús, com o estomago já a avisar o almoço. Vejo uma jovem morta e o sangue que talhou mais rápido por causa do frio. Fria, sua pele morena e a cidade.

09/01/2008

Meu outono

Perdi a vontade de pensar no outono. Na verdade nunca nem imaginei um outono, pois acredito na inveracidade das minhas professorinhas que diziam o outono como a estação depois da primavera... só sinto o sol e a chuva. Hoje está abafado e as pessoas andam de cenho fechado, mesmo estando o céu plúmbeo.. Acho que é outono. Odeio esta "estação".

02/01/2008

Negacear

A dor não diz que chega
não late
e envereda pelos entremeios da solidão...
roendo devagar,
fagocitando devagar,
bebendo as lágrimas para a sede saciar.

Só a dor me move
não me comove, pois dela sou cria
esputo indigno e enteado rejeitado.

A luz entrando pela janela anuncia o dia quente,
os pedintes já começam a se retorcer no calor do papelão
e os loucos, cansados da noite insana, descansam dopados.
O mundo funciona para a solidão
porisso
esta dor silenciosa me invade.

20/12/2007

Delirium Tremens

Uma víbora percorre minha cabeça,
livrar-se dela parece impossível,
enquanto nos pés atulham-se baratas e pequenos aracnídeos.

O sol desponta inclemente sobre minhas alucinações:
corpo vazio e trêmulo não responde as ordens cerebrais.

10/12/2007

Samba

Bambo
com ritmo e sangue
vivo.

Sorrindo no choro.
Chorando na alegria.

Cá restou o peito de um sambista.

24/11/2007

Versinho lisonjeiro

R.B, desculpa este poema marrom
gosto de ler a tua arte e não me é
possível esconder que leio a ti com
o mesmo prazer de ler .PAlcidesZé.








*Poema dedicado ao terno Raphael Barros, amigo e poeta.

23/11/2007

Vazio

Num oco,
vácuo,
barroca sem fundo,
meu coração parece estar.

Estou louco,
sem rima,
jogado ao mundo,
sem aqui querer estar.

14/11/2007

Estória do comum burocráta.

Antônio. Alcunha dada pela avó e póstuma homenagem a um irmão que fora assassinado décadas atrás. No mínimo mórbido. Saudoso enleio cinza. Garoto comum, sem extremos, aluno médio, conseqüentemente homem breve e suado... suave. Casara-se cedo, claro, não tivera filhos e nunca perguntou-se o porquê. Tinha sua rotina simples de acordar todo dia às 5:00, sorrir ao seu cão velho e desdentado, talvez, não se sabe, ele enxergava-se naquele bicho calmo. Seu colarinho sempre puído, carcomido pelos suores e constantes movimentos circulares com a cabeça para aliviar sua péssima postura, legendava a dureza cansativa de preencher formulários o dia inteiro. Quando sua esposa, criatura fanática e amarela, estava a tomar café, ele sempre repetia o jargão: "Duas refeições diárias bastam a um homem: almoço e janta, apenas." e isto soava nos ouvidos dela como um emaranhado de buzinas, idênticas as que Antônio não ouviu pouco antes de atravessar a avenida. Tragifim.

05/11/2007

Bêbedo

As mãos trêmulas
seguram a cabeça.

As mãos descascadas:
cirrose hepatica.

As mãos nodosas
não valem mais nada.

As mãos pedem por mais um trago... apenas.

03/11/2007

O antigo

Caminhando
cansado
um velho se tomba por aqui.
A estrada carroçável
mastigando
seus andarilhos, vermelha-fogo.
Travessia para o nada,
verdade fulgaz,
chegou aqui o velho.
Torto
o caminho de barro e pedras
traz o novo:
percorrendo as veredas já perpassadas.

*Pensando em J.G. Rosa

30/10/2007

Versos de fúria

O mendigo dividindo sua comida com um cachorro magro.
Sifilíticos pregando o Genêsis.
Molecotes estrebuchando debaixo de pauladas.
Eu, estúpido e derrotado, assintido o espetáculo no outro lado da rua.

22/10/2007

Morte onomatopaica

Flac!
Flac!
duas estocadas...
e a poesia morreu.

16/10/2007

O mar verde mar

...de minha janela
ainda vejo o mar

[apenas numa parte da enseada branca.

entrecortado por enormes blocos de concreto:
vislumbro esta pequena paisagem quadrática
quando a tristeza me tomba
e as forças minguam
ou as soluções tópicas e usuais não a remediam...

somente o mar me acalma
levando e trazendo
em tempo lento
seus acalantos e jangadas
até minh'alma mareada pelo balançar cansado da vida.

30/09/2007

O cachorro e sua senhora

Tez de baronesa
e moral de meretriz,
dominada pelo seu pequeno cãozinho
a senhora viúva passeia delicada pelas calçadas.

A fidalguia se desfaz nas vontades do ilustre animal
que escolhe a oportuna hora de defecar...
ela o ama mais do que seu finado marido.

27/09/2007

Mariposa

A luminária me incomoda pela primeira vez, ela é o chamariz para as mariposas que enroscam-se no meu pescoço... o livro de Anatole France tenta prender minha atenção, mas os incomôdos invertebrados teimam em deixar a literatura em segunda via. Paro um pouco e bebo água. Agora são várias as mariposas a se enamorar com minha lampadazinha tosca, tento ler, tento ler, tento dormir, mas os incomôdos invertebrados teimam em deixar meu sono em segunda via. Radicalmente acendo um cigarro para intoxicar as intrusas e tusso em lugar delas. Perco a noite, o livro e o cigarro... se elas não fossem o prenúncio de uma chuva já teria matado todas elas. Amo as mariposas e a garoa que trazem debaixo das asas.

03/09/2007

Uma pequena morte

Doze horas em ponto. A noite está em sua meia idade, chegando quase em sua menopausa ou na madrugada. Passo a mão sobre o peito. Hipocondria. O relógio parou de trabalhar à meia noite e meu coração parece querer acompanhá-lo. Obituário de nº 12 - Causa: Enfarte fulminante no miocádio. Necrose de coagulação, circunscrita, do coracão, em conseqüência da obliteração de uma artéria. Ninguém no cemitério, os coveiros, sim, acabaram de chegar e cavam calmamente o fosso eterno. Um violino estridente acompanha os choros e murmúrios roufenhos de umas duas dúzias de pessoas. 137 foram as pás de areia que caíram sobre meu caixão.

30/08/2007

Fortaleza

De rua, becos e esquinas
tão comuns.
De bêbados, sábios e loucos
tão comuns.
De mar, vento e sol
que banham os comuns.
Fortaleza signo de um amor estranho:
incomum.

24/08/2007

Elegia ao arcaísmo

Das tenras fontes eróticas jorras teu liquido seminal
Na tessitura dos que ardem em divagações métricas
- Droga!
- O que foi?
- O léxico me foge...
- Te fode?
- Também.

20/08/2007

Para quem servir...

O lance,
Do malandro menino
Sempre tímido, sempre apaixonado,
É amar.

Ele anda desatento
Feito criança
Balançado por um porre e
Por uma mulher qualquer.

Vai comprar na banca
Um maço de cigarros
Dizendo: hoje é segunda-feira
Como se um dia fosse qualquer!

Mom

Sou uma rês.
Um mero ruminante a vagar perdido pelos pastos e cercados secos da vida.
Sou uma carcaça andante,
sem chocalho,
sem aboio,
sem nada.

Por isso meus insignificantes versos bovinos.

16/08/2007

AMENM

o joelho dobrado dói,
as juntas ardem,
a fome aperta:
o romeiro reza.

Quadra para o mestre Carlinhos

Queria ter a calma dele,
Seus braços lentos e sua parcimônia.
Queria que fosse meu pai ou tio:
Tudo... menos o que sou hoje.

13/08/2007

Flor de plástico

Ostentando sua forma perfeita(
inerme
muda
quase parnasiana
)como uma intocada jovem mostrando-se sem motivo
no beiral
para um espectador utópico.
Trazendo em si
a singeleza imbatível de uma flor que vive,
mas ela sabe(
triste
estéril
já pós-moderna
)sabe que não tem perfume.

10/08/2007

"Hai-Kai" para R. Barros

Hai kai?
Kai não, kai?
Levanta e cura a ressaca.

29/07/2007

o velho,


tendo em lugar de seu corpo um molambo frágil e bêbedo,
apenas a mão segura a cabeça,
o resto adormece sobre a cansada cadeira de cedro.
o quartinho quente encerra toda a vontade de viver...
papéis e livros infestam o ar com acarídeos,
um cheiro azedo de solidão é o que impera.

a Morte ronda insone.

a vontade de continuar vivo definha na surdez de uma noite febril:
uns copos de cachaça e uma corda já bastaram.
o mar lá em baixo é verde
e sem importar-se com o velho
não pára de alquebrar suas ondas inquietas
no espraiado amarelo d'areia.