10/03/2008

Estória de pescador

Uma jangada está lá no final do mar. Longe, quase invisível aos olhos comuns. Chico, Seu Luiz e Branquinho tripulam a embarcação e buscam o peixe para encher a boca de suas famílias. Branquinho fala muito, Chico é quase mudo, Seu Luiz dá ordens e vão mar adentro com suas linhas e redes. Covarde e mulher não pescam de jangada, criança só quando tem sangue grosso e de pescador, neste meio a cachaça é a diversão e ao mesmo tempo anestesia para o tempo, não há espaço para muitas brincadeiras... o caixote cheio de peixes traz o homem, o pai e a comida de volta à terra. Vazio, apenas desolação sem solução. Os três recolhem as redes e as linhas, Seu Luiz reclama:

- Arre. Peixe num tem mais. Vamo branquim infia isca nessas linha que há de fisgá algum.

- Eita agora vai – Branquinho quase rindo – se Seu Luiz quer, fisga!

Já estavam três noites na lida e naquele balançar incessante, os peixes vagarosamente enchiam a jangadinha, quase manhã ouviram um grito de Chico. Uma barracuda de dentes afiadíssimos desgraçara sua mão. Num pulo de agilidade Seu Luiz encharcou a mão de Chico com cachaça e a embrulhou com uma estopa bem seca e limpa e ordenou:

- Nóis pesca até mei dia e desaba pra casa e trate de se aquietá, assim a febre demora mais a te pegá. Chegá lá procura o dotô e pronto.

Nesta agonia Branquinho chamou Seu Luiz:

- Seu Luiz, duas linha tão batendo forte...

- É mais barracuda, vamo lascá essas maldita.

Quando chegaram na areia da vila, Joana de Abel já esperava Seu Luiz, pois sempre ficava observando quando a vela alaranjada despontava no canto das falésias... viu o coitado do Chico sendo carregado e queimando em febre, mas logo Seu Luiz atalhou:

- Joana vê se num chora. Esse aí é forte e num morre por causa de mordida não.

Branquinho nem dividiu a carga e agarrou-se com o violão e uma preta bem gorda que não gostava muito dele, mas que precisava comer e como! Chico perdeu um dedo e meio e não dava indicações que aquilo iria lhe limitar a habilidade de pescar. Seu Luiz vendeu uma parte dos peixes e outra mandou salgar, agora estava numa rede bem fria a olhar seu cachorro magro que se desesperava com os siris na beirinha da praia.

* Este escrito é dedicado à G. Diógenes, que ama pescar e contar estória de pescador.

3 comentários:

Anônimo disse...

Régis, lendo esse texto me transportei para Quixaba, uma vila de pescador alí pertinho de canoa, cercada de falésias e um mar azul e tranquilo.(fisguei lá muitos bagres, corós, entre outros)(e foi também quando dropei minha primeira onda de BodyBoard)
O mercadinho de peixes lá era daqueles bem antigos onde a balança não era daquelas que se usam hoje.

eu gostei muito de ler e foi muito bem escrito. Parabens, espero representar À altura com algum desenho meu.

abraço

Anônimo disse...

Ah, eu não conto estória de pescador, eu só conto fatos, tenho fotos para comprovar!!!!
rs

fantomas disse...

Lembrei de Santiago e de Alcides...