26/02/2008

O magarefe

Em suas mãos todo animal desmancha-se em pedaços de nomes estranhos: Acém, patinho, lombo etc, etc. Na tarde recebia boi, carneiro, suíno e vísceras, quando caía a noite já começava a cortar os bichos e parava quando os primeiros clientes chegavam com o sol. Tinha dois filhos e sua mulher já havia morrido na última cria que pariu, Estevão, e nos dias que se seguiram a morte da Mariinha o magarefe não conversava muito e não dava lugares as emoções, não por estar apenas abalado com a morte de sua companheira e sim por respeito as tradições que aprendera nos sobrados da casa do seu pai, também viúvo. Viera para a cidade trabalhar, pois foi expurgado por um vizinho que tomara as terras de seu pai, na época já inválido, sem filhos e parentes suficientes para rechaçar a invasão covarde e o magarefe era apenas um menino sem forças de homem. Não rezava. Nunca beijou os filhos e passou a responder qualquer pergunta com gestos ou, simplesmente, calar-se. Rotina e nada mais. Ruína. Deu a beber e nem o pastor que opera milagres o salvou da cachaça. Sua banca no mercado não preocupava, Estevão já assumira o lugar do pai e ajudava no sustento da casa e da bebida. O magarefe agora era o próprio bicho a ser abatido e destrinchado, consumia-se no alcoolismo e não via forma mais eficaz de aliviar sua vida estúpida e encurtá-la. Numa madrugada foi visto saindo do bar e nunca mais apareceu, o magarefe.

2 comentários:

fantomas disse...

Jaira,

Como descobriu meu blog? Pensei que não tinha jeito...

Gostei muito do seu texto, que é forte e com suas imagens sempre cruas, reais.

Valeu,

Dehon.

Anônimo disse...

Amigo...

Pobre feliz ou rico triste, indiferente. Tudo parece tão minucioso. Você destrincha as situações cotidianas. Muito boa, o magarefe. Leitura tardia, eu sei, mas sempre há tempo para o que é relevante.