10/11/2008

Gostaria de ter a verve de um escritor. Lembro-me das primeiras leituras e como pensava naquelas letras todas, porém os livros tinham de ser ilustrados. Passei um longo tempo sem ler coisa alguma, quando gastava minhas horas na mais pura porralouquice adolescente, e depois me vi quase homem mergulhando num bocado de autores. Zé Lins do Rêgo, Ernest Hemingway, Gorki, Zé Alcides... Gostaria de ter a verve de um escritor.

Um amigo meu poeta disse: “ler demais mexe com o escrever”. Um dos maiores sábios que conheci, seu Aparício Lima de Petrolina, confessou-me n’um curto convívio que nunca leu quase nada, nem jornal, mas conversava muito e ouvia. Mesmo caso de meu avô João de Deus, agricultor e praticamente semi-analfabeto (detesto essa expressão), é filósofo vivo sempre doutrinando com humor e sapiência as coisas da vida. Não sou sábio, poeta...quiçá... filósofo.

Achei graça quando uma garota me reconheceu como escritor, disse não ser um escritor e que só padecia da necessidade de escrever moldando textos. Pensei em ler menos, seguir o exemplo dos acima lembrados, preferi continuar lendo e tenho neste dias no colo o romance “Naná” de Zola. Quando li Manuel Bandeira acreditei que fazer poesia era simples. E é. Difícil mesmo é ser poeta.

Engana-se quem imagina não estar doente ou pelo menos triste. No meu quarto vive um ser estranho, coberto de penas e com cauda de víbora... criatura auspiciosa de poderes mágicos. Taquicardia ataca sempre. Zé Lins do Rêgo era hipocondríaco e nem por isso todos que possuem tal distúrbio escrevem acuradamente como o inaudito paraibano. Zé Alcides era maldito ungido na poesia de Baudelaire, Borges lia Plínio. Preciso de um benzodiazepínico. O tal ser regurgita uma pastosa massa branca e dela surge um sonho desconexo: “O escuro chega rápido. Há pouca luz, apenas uns bicos toscos de iluminação. Quando o mato rasteiro começa a cheirar e não muito longe sua vista alcança, deita-te no chão e ponha-se à divagar no ritmo pungente do grito das almas agonizantes. Atravessado no meio da madrugada um chocalho alerta... acorda...acorda..acorda.”

Venho com constância a este espaço cibernético esputar as produções mais idiossincráticas possíveis. Toda noite antes de dormir imagino se pelo menos uma pessoa leu os meus escritos... minto... escrevo por puro egotismo. A vontade de ter a verve de um escritor é maior que minha vergonha. Sou despudorado, sou uma farsa, sou ator de um filme sem roteiro, apenas com o fim inevitável da mediocridade.

Um diálogo perturbador irrompe na noite já quase manhã:
-Porra, caralho são quatro da madruga e tu num matou esse filho da puta?
-Não tenho coragem...
-É só puxar o dedo e vê se mata logo!
-Já disse, não tenho coragem...
-Ah! Mata logo!
-Jesus...
-Não é ele que vai matar não, você é o enviado... estás apenas fazendo a vontade dele.
-Nunca é esta a vontade de Cristo!
-Vai tomar no cu, enfia a porra do dedo na pistola e mata logo!
-Mata você...
-Mata logo!
-(...) hummmm
-Se tu num vai matar esse filho da puta, eu mato!

Gostaria de ter a verve de um escritor. A necessidade não é verve, é, acima de tudo, um fardo.